16/02/2016

O jogo dos diálogos

O futebol me prende por ser composto de vários diálogos. Cada movimento, seja de jogador, técnico, torcedor, ou árbitro (os únicos verdadeiramente envolvidos numa partida)  é uma forma diferente de dialogar, seja diretamente com um destes personagens, ou ainda com um terceiro elemento que pode nem estar em campo. Messi cobrou pênalti rolando a bola de lado para a finalização fácil de Suárez - mais fácil, inclusive, do que a cobrança original, que tinha o goleiro atento, e não batido pelo lance inusitado.

Ali, o argentino conversou com Cruyff, que fizera o mesmo pelo Ajax. Eles se olharam e disseram juntos “eu sou melhor!”. Porque afinal, não é a isso que tudo se resume: ser o melhor? Messi faz o que faz por amor ao Barcelona, ou por amor a si mesmo? Se isso fizesse alguma diferença, talvez o futebol já tivesse morrido há décadas. Lionel é de longe o melhor jogador da história do seu clube, e de perto o maior da história do futebol, já que está bem pertinho de Maradona e Pelé, ainda que tenha pelo menos mais oito anos de carreira. Mas existem outros, como Cruyff, que foi de longe o melhor jogador de um país que nunca foi campeão mundial, mas que foi responsável por uma das maiores revoluções no esporte, ao introduzir o jogo coletivo e vistoso que seria repetido tantas e tão bem sucedidas vezes, inclusive por Messi, sob a batuta de Guardiola (outro gênio, quem sabe o maior da história fora de campo). Desde o Carrossel Holandês de 1974, o mundo percebeu que levar a bola de um gol até o outro podia ser um novo diálogo, dessa vez do futebol com um pincel sobre uma tela.

Pois o movimento da bola de pé em pé, com um drible aqui e ali, e um calcanhar mais adiante, seguido por um corta luz e uma virada de jogo, para então devolvê-la ao meio campo e fazê-la, de pouco a pouco, rolar sobre cada mínimo pedacinho do gramado, envolvendo todos os jogadores, personagens de uma história contada através de movimentos que permanecem apenas no registro, nos obriga a refazer com os olhos os passos, para ir entendendo o que aconteceu naquele conjunto chuteira-bola-gramado, ou pincel-tinta-tela. Se as grossas e marcantes pinceladas do início do modernismo, em contraste com os traços finos e detalhados do classicismo, representaram uma das grandes reformas na arte por mostrarem que também há beleza no percorrer, e não somente na obra final; o mesmo fizeram Cruyff, Jansen e Neesekens, ao encher o gramado de toques rápidos e precisos e mostrar que o gol é uma questão secundária na maior parte do jogo. Muito diferente da não menos brilhante e tricampeã seleção canarinha, cuja individualidade de Pelé, Garrincha, Jairzinho e tantos outros marcou outra revolução. Maradona talvez tenha sido o primeiro a ser campeão levando o time inteiro nas costas, principalmente em 1986, quando a esquadra argentina levantou o caneco contra uma Alemanha muito mais consagrada. Messi é o melhor da geração que aprendeu a colocar os clubes à frente das seleções. Nunca foi campeão mundial, mas já ganhou quatro Ligas dos Campeões, cinco bolas de ouro, e elevou o clube catalão a um novo patamar - muito longe da sombra do Real Madrid, por onde esteve durante praticamente todo o século XX. O Barcelona é de longe o melhor time do terceiro milênio, e não é nenhum absurdo imaginar que isso se mantenha dessa forma até o quarto. E muito graças a Lionel.


Então, quem foi maior? Pelé, Cruyff, Maradona ou Messi? A verdade é que não faz diferença, porque nenhum deles seria nada sem o outro. O futebol dialoga com a história. Pois de meados do século XIX (talvez mesmo antes) até 2016 muita coisa mudou, mas não teria mudado se cada jogador que deixou uma marca não o tivesse feito. Se Leônidas não tivesse se arriscado na primeira bicicleta, ou se o Rei tivesse ido com a bola de encontro a Mazurkiewicz ao invés de dar origem ao drible da vaca, ou se as pernas de Garrincha fossem retas, ou se Rivelino nunca tivesse tentado rolar a bola da direita para esquerda com o mesmo pé criando o elástico, ou se Maradona tivesse tocado a bola para algum companheiro no meio do passeio pela seleção inglesa de 1978, ou se Roberto Carlos tivesse reconsiderado antes de dar aquela pancada de trivela para bater Barthez em 1998 (pena que foi num amistoso), ou se Cruyff não tivesse rolado a bola de lado naquele pênalti, pelo Ajax, inspirando Messi a fazer o mesmo, o futebol simplesmente não existiria. O objetivo de cada um desses artistas sempre foi ser melhor que aqueles que vieram antes deles, melhor que os seus contemporâneos, e melhor que os que tomariam os seus lugares de ídolos. Mas sempre com a lembrança do que já foi feito.

Portanto, o pênalti de Messi não vem sozinho. Vem junto com tudo que já foi feito, com os mestres do passado, do presente e do futuro, que pintam o gramado com manchas grossas de dribles e toques e chutes fantásticos. O argentino é, aliás, especialista em recriar jogadas que ficaram para a história. Talvez seja por isso que o considero maior que todos os que citei, e também que qualquer um que poderia citar. Mas eu também sou da geração que coloca os clubes à frente das seleções.

19/12/2014

Logo após assinar com o Botafogo, Messi torna-se vítima do Ebola


A TJB (Torcida Jovem do Botafogo) já contava os dias para a apresentação daquele que ficou conhecido como “o maior craque do Fogo desde Garrincha”, o quatro vezes melhor jogador do mundo Lionel Messi. Maurício Assumpção, presidente do clube carioca, havia finalmente apertado as mãos do jogador na última segunda feira (18/08). Entretanto, como dizem os botafoguenses, “tem coisas que só acontecem com o Botafogo”. Nem dois dias após o pronunciamento oficial, o argentino, que sofria com surtos de febre e diarréia já há semanas, foi diagnosticado como portador do vírus Ebola e internado às pressas na UTI de seu agora ex-clube, o Barcelona. A saúde do jogador (e dos botafoguenses) segue instável. O diretor de futebol do clube catalão, Andoni Zubizarreta, que organizou a pré-temporada da equipe principal no continente africano, isenta-se de culpa e afirma que “cada membro do time é responsável pelos próprios fluidos corporais”


Messi permanece agora em quarentena, mas ainda assim comunicou, através de seu twitter, que diz-se feliz por ter tido a chance de defender as cores de um dos maiores clubes do Brasil, mas ressalva que, se sobreviver ao vírus, irá entregar-se à religião e abdicar da vida futebolística para integrar um mosteiro em Rosário, Argentina. “Sempre sonhei em ser padre”, diz o craque. Ainda assim, milhares de torcedores alvinegros acampam agora em frente ao hospital catalão, esperando por declarações em primeira mão. Segundo enquete feita através do site deste jornal, essa foi uma das maiores concentrações de botafoguenses já vistas na história.


Enquanto recolhe os cacos da perda de sua maior aposta, o Botafogo amarga a décima segunda colocação no Campeonato Brasileiro e ainda espera pelo complicado confronto com o Ceará, válido pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Maurício Assumpção disse estar muito frustrado com a inviabilidade de contar com Messi para o restante da temporada e não colhe muitas esperanças para o time. “Teremos sorte se não formos rebaixados, essa é a nossa prioridade”, declarou o cartola. “Com ele [Messi], tudo seria diferente. Agora é bola para frente, o campeonato está aí e nós não podemos nos descuidar”.

No Rio de Janeiro, torcedores de Flamengo, Vasco e Fluminense se inspiraram no ocorrido para tirar sarro do clube rival. O famoso cântico "e ninguém cala, esse chororô" foi bradado pelas três torcidas, numa emocionante comunhão, como poucas vezes se viu na história. Outras músicas foram lembradas, além de novas criadas especialmente para a ocasião. Em paródia do hino alvinegro, rubro negros, tricolores e cruzmaltinos cantavam "Botafogo, Botafogo, azarão desde 1910. Teu herói perdeu o jogo, Botafogo por isso é que tu és".

27/07/2014

Maomé e a montanha: por que atravessá-la?

Uma das principais barreiras ao desenvolvimento do socialismo é o sentimento de vingança que impulsiona diversos proletários - num sentido contemporâneo do termo, se é que isso existe - a concentrarem suas ambições na tomada do poder do patrão, para tornarem-se tão ou mais poderosos que ele. A ganância, portanto, é um dos fatores que estimulam a sociedade a seguir o fluxo da economia de mercado, de tal forma que, ainda que um trabalhador de base seja capaz de escalar a montanha social, ele próprio tenda a se converter numa nova engrenagem do sistema, adquirindo novos meios para chegar sempre um pouco mais perto do topo. Poucos são aqueles que se recusam a escalar e se dedicam a tentar derrubar a montanha. Quem sabe, se outros enxergassem essa segunda alternativa, quiçá estaríamos mais próximos de alcançá-la. De certa forma, algo parecido ocorre no conflito entre Israel e os palestinos. A principal premissa deste conflito, assim como a de qualquer outro que já envolveu Israel, é a disputa territorial. A escassez de terras e recursos na região é tamanha, que torna impensável pensar numa solução que não passe por desapropriações e posses de território em locais específicos do país. Ainda que haja uma intensa disputa entre o fundamentalismo do Hamas e o fascismo da extrema direita de Israel, e que ela impulsione boa parte do ódio semeado dos dois lados, a terra é ainda o grande capital em disputa. Dessa forma, é possível entender que quanto mais área se possui, mais perto do topo - daquela mesma montanha - se está. Israel encontra-se portanto, numa comparação com Gaza, em algo próximo do cume do Everest, já muito além da visão dos palestinos; estes ainda distantes do pé da montanha, mais rentes ao centro da terra. Seguindo essa mesma linha, temos que os palestinos podem ser relacionados com os proletários, os israelenses com os patrões, a conquista de terra como a escalada social e a paz como a solução alternativa. Da mesma forma que a busca por vingança barra a possibilidade de um proletário abraçar sua causa trabalhista, e buscar unir-se a outros em comum para tentar desviar o curso natural do atual fluxo socioeconômico; o desejo de total "devolução" de todo o território de Israel para os árabes enfraquece uma alternativa pacífica. É justamente essa busca por vingança que dá energia a grande parte dos grupos que lideram massas não só em países árabes, como no mundo todo, vide o recente ocorrido numa manifestação em Paris (além de outros que nem chegam ao nosso conhecimento). Facções como o Hamas, o Hezbollah, o Fatah, têm como principal objetivo a expulsão de todos os judeus de Israel, rebaixando assim os israelenses ao posto que agora ocupam, dando continuidade ao fluxo de guerras que hoje se segue. Fica assim a pergunta: quem sabe, se outros enxergassem uma segunda opção, a da destruição da montanha que separa Israel da palestina, ou seja, a nivelação das condições para ambos os lados, quiçá estaríamos mais próximos de alcançar a paz. A destruição tende a vir como caminho natural, simplesmente porque o desejo de vingança fala mais alto que o desejo de procurar uma solução humanitária. O "direito de Israel se defender" é tão falacioso quanto o direito dos grupos terroristas se proclamarem resistentes, pois ambos assumem que a única resposta ao conflito é um novo ataque, um novo alarme, anunciando que o fluxo está seguindo conforme o esperado. Existe sim uma solução alternativa que contemple as necessidades dos dois lados, e o primeiro passo para que ela se concretize é o abandono do que hoje se pratica; para então começar a pensar numa nova abordagem, que envolva necessariamente a retomada da partilha de 1948, a injeção de bilhões - trilhões - em Gaza e Cisjordânia, a derrubada dos muros e extinção dos checkpoints que controlam o ir e vir dos palestinos, a dissolução e o desarmamento dos grupos terroristas, a democratização dos recursos - principalmente a água -, o reconhecimento de que tanto judeus quanto palestino merecem um território próprio e o estímulo de um espírito de coletivismo e tolerância na região. É claro que soa muito bonito escrever isso, mas buscar a utopia não é um caminho sempre fadado ao fracasso. O intuito principal deste texto não é propor uma resposta inovadora para o conflito - até porque o que está escrito logo acima não é nenhuma novidade -, mas sim tentar construir uma mentalidade que questione o que tende a ser tomado como premissa; e a partir dela, buscar o apoio de outros com pensamentos semelhantes, para que, juntos, ambos os lados, sejam capazes de destruir essa montanha. Se fazemos tanta questão de dizer "proletários do mundo, uni-vos!", o que nos impede de gritar "semitas [e simpatizantes] do mundo, uni-vos!"? Daqui de São Paulo, o que posso fazer é apelar aos dois lados que bem conheço, o dos judeus-que-desejam-uma-solução-humanitária, composto por uma pequena parcela da comunidade judaica; e o dos palestinos-que-desejam-uma-solução-humanitária, composto por uma pequena parcela da esquerda - quase sempre - não judia, para que deixem de brigar entre si e comecem a perceber que há outros caminhos a serem percorridos.

09/07/2014

E agora?

A cena choca. Sete. Sete foi difícil de aguentar. Os alemães trouxeram um enorme balde d'água, diretamente do Reno, e despejaram de uma vez. Mas depois do banho gelado, tem sempre aquela chacoalhada no corpo para espantar o frio. E isso é exatamente o que deve ser feito. A ducha já foi ligada, cortesia da famosa delicadeza alemã, precisamos agora é saber nos secar. Mas se a atitude for semelhante à tomada pela plateia no Mineirão, que dirigia sua frustração à nossa cara presidente, ficaremos ensopados por um bom tempo.

Às vésperas da copa, fui convencido - por mim também - a acreditar que valia a pena torcer pelo Brasil, que não seria hipocrisia apoiar, ao mesmo tempo, a seleção e os movimentos sociais. O principal argumento usado - por mim, para mim - baseava-se no "fato" de que futebol e política não se misturam. Pois não deveriam se misturar; mas de nada adianta ficar se iludindo, principalmente depois desses sete tapas na cara: toda a politicagem que envolve esse esporte levou a canarinho ao maior vexame de sua história. Assim como a sociedade de forma geral, o futebol é regido por corruptos, por gente cuja menor preocupação é resgatar o brilhantismo de outrora. O jogo de cifras absurdamente altas, inconcebíveis para 99% do mundo, tomou os campos e não há como seguir fazendo vista grossa para o que está bem diante de nós. O povo, que faz do futebol um fenômeno artístico, torna-se mero espectador deste processo de empobrecimento da criatividade no gramado, e enriquecimento de bolsos fora dele. E não só assiste, como crê que o melhor está sendo feito, porque a imagem é muito bem explorada.

Esse conceito de "família CBF" encheu os olhos de milhões depois da Copa das Confederações no ano passado, quando a seleção deitou e rolou pra cima da Espanha - mas ora vejam, como foi mesmo o desempenho da Fúria nessa Copa do Mundo? 3 x 0 nos então campeões mundiais, e que venha 2014! O povo comprou a ideia, a CBF ganhava carta branca para fazer o que bem entendesse em função do sonhado hexa. Pois bem, bilhões superfaturados, obras inacabadas, viadutos desabando e a lendária camisa amarela em frangalhos. Esse é o legado da Copa até aqui. Essa historinha pra boi dormir já cansou, chegou a hora de mudar, de levantar a bola e pegar na veia. Bicar Marin, Del Nero, Rebelo e companhia para fora da cancha e formar uma congregação que, no mínimo, entenda mais de futebol que de dinheiro.

No entanto, no que parecia ser o auge da humilhação - mas não era, mais dois gols ainda estavam por vir -, a "torcida" resolve lançar o coro: "ei, Dilma, vai tomar no cú". Se a Dilma fosse mesmo a grande responsável pelos problemas do futebol no país, a situação seria muito mais preocupante. Com milhões sem casa, comida, emprego, educação, transporte, saneamento básico, saúde e acesso à cultura, seria um absurdo esperar da presidente uma atitude drástica em relação ao futebol. É para isso que serve, ou deveria servir a CBF; para ser o braço do governo responsável por cuidar de um dos maiores patrimônios do Brasil.

O futebol brasileiro é grande demais para ser deixado às traças como foi feito nas últimas décadas. O tratamento que lhe é dado é absolutamente desrespeitoso. Eu sou jovem, nunca vi os maiores ao vivo, mas me sinto humilhado por aqueles que os viram. O preço de toda essa sujeira já foi alto demais, que pelo menos agora, quando estamos falidos, o planejamento seja repensado.

25/06/2014

Entrei na copa

Entrei na copa, catei logo a farinha de trigo; fiz três coxinhas, cinco empanadas, umas vinte almôndegas e ainda assei um bacalhau. Depois às bebidas; três engradados de breja, duas Balalaika, sei-lá-quantas 51 (já peguei os limões para não perder a viagem), aquelas garrafinhas de whisky, conhaque (Dreher) e cachaça da boa - ah, e sempre a boa e velha Coca. Recheada essa copa.

Esses dias fui na Vila Madalena; há tempos não via tamanho fuzuê. Há quatro meses, para ser exato, em fevereiro. São Paulo entrou num estado de folia que dá gosto de ver. Os alckmins que se cuidem, porque tudo virou desculpa para farrear. E olha que todo mundo avisou, que quando a Copa começasse, a festa ia rolar. Não tem mais black bloc, nem white bloc (só yellow); pouco se ouve de superfaturamento, ou baixo investimento em saúde e educação (comparado ao que se ouvia); esses dias vi até elogio ao PT! Tem sempre aquelas coxinhisses básicas, de achar mensagem comunista no logo, ou coisa do tipo. Mas eu, em nome da Copa, encaro tudo isso como uma inveja.

Virou tudo de ponta cabeça; o clima esquentou, a vista grossa aumentou e o carnaval se estende ininterrupto. As regras são poucas, o que seria perigoso num dia qualquer; mas em dia de Copa pode, e todo dia é dia de Copa. Se tem feira, tem Copa. E quem não gosta de feira? E quem não gosta de Copa? De repente, todo mundo é louco por futebol. Dá-lhe, Brasil! Chupa, Brasil! Viva, México! Ole, Chile! Go Eagles*! A suruba de cores e línguas dita o tom às ruas. Não tem carro que passe, ou vergonha da face.

Mal dá tempo de pensar, já vem notícia de novo. Vem mordida - e por que não morder? tá recheada essa copa! -, sai Europa - que deleite, que venham mais mordidas. Vêm gols, muitos gols; gols tortos, golaços, de canhota, cavadinha, com efeito, chaleira, peito (put some farofa, delicious), barriga, impedido, roubado, armado, que faz sorrir, ou faz chorar. Vem palavrão, e dos bom. Vale cú, vale fuck, scheiße, ou carajo.

Do jeito que a coisa anda, vai dar saudades no verão...



*Eagles: apelido dado pelo autor à seleção dos EUA

21/05/2013

o futebol não vive de títulos, o futebol vive de Corinthians.

Para muitos, o sucesso do esporte se fundamenta no sucesso do clube/time/esportista, ou seja, nos títulos conquistados. Bolt é o homem mais rápido do mundo por ter ganhado todas as medalhas, Schumacher é o melhor por ter vencido mais mundiais da Fórmula 1, o Dream Team de basquete dos EUA é o maior por ter mais títulos olímpicos, os Quenianos são os mais resistentes por terem conquistado mais maratonas. Agora, quem pode dizer qual é o melhor clube de futebol da história? O Real Madrid, por ter mais troféus da Champions League? O Santos de Pelé, por todo o seu brilhantismo? Eu digo, é o Corinthians. 

Em qualquer espetáculo, o público dá valor à entrega dos protagonistas, à devoção por aquilo que fez reunir a multidão. Se há entrega por parte dos artistas, há apoio por parte do auditório. Domingo fui ao show do Criolo e o que observei (e que acabei por me juntar) foi essa troca, crua, ingênua e verdadeira entre cantor e platéia. As palavras de revolta, impulsionadas por um arranjo eclético e contagiante e por uma nítida demonstração de amor e identificação por parte do músico para com seus ouvintes, transformou a praça Julio Prestes num caldeirão, que transbordava e borbulhava alegria e energia. É nesses casos que a história se inverte e os papeis trocam de mão. O artista passa então a ser o público, que contempla o verdadeiro espetáculo, que vem das arquibancadas/ruas/praças. É nesses casos que se revela a verdadeira essência da arte, quando os seus supostos espectadores a tomam para si e a transformam em seu próprio legado. 

O futebol se tornou arte no último dia 15 de maio, quando o Corinthians foi eliminado da Libertadores por um fraco Boca Juniores, diante de um Pacaembu lotado. Ao final do jogo, a torcida gritava mensagens de amor e cantava o hino do clube. Se, há sete anos, essa mesma torcida invadia violentamente esse mesmo estádio, após uma mesma eliminação, diante de um argentino, fora para passar uma mensagem, de que "nós não aceitamos esnobes e frouxos". A mensagem foi ouvida e o clube aceitou sua eterna missão. Os jogadores deveriam ser o público e dar o máximo para apoiarem e inflamarem aqueles que sempre os apoiaram. Ao final do jogo, não havia tristeza, lamentação, mágoas ou rusgas, havia sim uma total entrega dos torcedores, que, cantando, enviavam uma nova mensagem ao time e ao mundo, de que "aqui, no Pacaembu, quem manda somos nós, nós somos o futebol".   




31/10/2012

Viver é preciso, futebol não é preciso

Qualquer um que acompanhe minimamente o futebol, está a par do polêmico jogo entre Internacional e Palmeiras, pela 33ª rodada. Por desencargo de consciência, explico o lance em poucas palavras. O jogo estava 2 a 1 para o Inter e, após cobrança de escanteio, Barcos (atacante do Palmeiras), marcou o gol de empate com a mão. O juiz não viu (ou fingiu que não), o bandeira não viu, ninguém viu. O gol foi marcado e o Palmeiras comemorava o empate quando, pouco depois, o juiz anulou o gol. Segundo a comissão de arbitragem, o quarto árbitro (aquele que levanta a placa das substituições) teria visto o toque e avisado a infração para o juiz central, via rádio.
Vamos às polêmicas: o juiz central estava a poucos metros e de frente para o lance, enquanto que pelo menos 50m separavam o quarto árbitro da jogada. O que provavelmente aconteceu (embora seja impossível de ser provado) foi a interferência de um delegado, presente próximo ao banco do Inter, que viu o replay pela televisão e avisou o árbitro. Tal ocorrência é proibida pela FIFA e acarretaria numa automática anulação do jogo. Além disso, ao tentar se esquivar das perguntas, o quarto árbitro disse que viu um braço vestido de uma manga verde subir para socar a bola, mas o Palmeiras jogava de branco.
A polêmica está instaurada. E, para muitos, ela declara a urgência pelo uso da tecnologia no futebol, como o recurso que foi utilizado pela comissão de arbitragem, ou como chips na bola e na linha de fundo.
Ao meu ver, a urgência é a inversa, é a do "retrocesso", da humanização do futebol.
Saiamos, por algumas linhas, da contemporaneidade do esporte, e viajemos para a copa de 1986, no jogo entre Argentina e Inglaterra. As seleções empatavam por 0 a 0 quando sai o famoso gol de Maradona. A Mão de Deus merece o codinome. O lance foi brilhante, o camisa 10 argentino desvia o cruzamento dando um soco na bola. Todos viram, menos o juiz. Gol validado, partida ganha e classificação encaminhada. O que aconteceria se houvesse uma câmera ou um chip naquele momento? O gol seria anulado e o jogo se encaminharia para mais uma irritante disputa nos pênaltis. O futebol teria perdido o jogo.
O que devemos nos perguntar não é o quanto estaríamos sendo precisos e justos ao usar essas medidas tecnológicas. O futebol não é justo, não é preciso. O futebol é brasileiro, é malandro, é Macunaíma, é Romário, é Garrincha. O que devemos nos perguntar é o quanto estaríamos perdendo ao burocratizar o imburocratizável.
A torcida não quer ver decisões corretas do juiz. A torcida quer xingar, gritar, urrar, guturar se necessário.
Por que o futebol é o esporte mais popular do mundo e não o basquete, ou o american football? Por que o futebol flui, tem poucas regras; basicamente, se o jogador não bater forte demais, ou se não colocar a mão na bola (desde que o juiz veja), o jogo segue sem parar. Enquanto que os esportes americanos são entediantes de tão fragmentados, com tempos, consultas aos televisores e correntinhas.
A globalização já dominou a nossa comida, as nossas casas, as nossas escolas. Não deixem que ela domine o nosso maior bem.

04/09/2011

escrita criativa

A escrita possui armas poderosas para se manter como um dos meios comunicativos mais utilizados na história. Ela se mantém intacta ao passar dos anos (diferentemente do acordo oral, no qual "quem conta um conto aumenta um ponto") e, por isso mesmo, exige um certo esforço do escritor para que ela represente um documento de qualidade, seja em relação a semântica, sintaxe, ortografia ou linguagem. Mas a arma que transforma a escrita, a meu ver, num meio tão importante, é o fato de que certas coisas só podem ser descritas através dela; coisas que, se ditas de outra forma, soariam estranhas, incompreensíveis, ou simplesmente ridículas. Imaginem só, se Freud decidisse subir num palanque para declamar seus pensamentos filosóficos ao invés de escrevê-los; ou se as propagandas de computadores começassem a exaltar os detalhes técnicos do disco rígido. Da mesma forma, há vezes em que um sentimento, se não for descrito no momento sentido (e mesmo assim, descrevê-lo torna-se um desafio e tanto), torna-se algo impossível de dizer e impossível de compreender e muitas vezes a escrita dispõe de meios muito mais eficazes para tratar de certos assuntos. Por exemplo, um jogo de futebol. Mas não qualquer jogo, aquele que abre o segundo turno, contra um rival tradicional e que mata a saudade do torcedor que não comparecia ao Pacaembu desde o começo do ano. Mas este exemplo ainda não é emblemático o suficiente. Já sei, um jogo de arbitragem confusa, de pênalti inventado, de golaço de falta, de duas expulsões e de pressão até o fim do time visitante, que precisava de um gol para empatar. Esse exemplo é bom.
O bom leitor (que entende de futebol, já que para mim, bom - e entenda este bom como o contrário de mau - é quem entende de futebol) já associou este exemplo à partida do Corinthians contra o Grêmio, da última quarta. Desde aquele jogo, venho tentando expressar o que senti depois da expulsão de Edenilson e da pressão gremista pelo terceiro gol, que empataria o jogo. Não consegui. Tentei dizer que me senti feliz por estar ao lado da torcida, que apoiou, a plenos pulmões, por 25 minutos; que me senti emocionado com a garra dos nove jogadores. Mas senti muito mais. Senti um vigor, como se eu tivesse a força de 15 mil pessoas. Senti amor, paixão em seu estado mais carnal. Senti afeto por todos aqueles de camisa alvinegra ao meu redor. Me senti Ulisses. Me senti Zeus.
Há alguns posts, comentei a força da torcida. Como uma massa tão heterogênea consegue produzir um som tão uníssono, tão poderoso. E realmente poderoso, pois afirmo (e desprezo aqueles que o negam) que a torcida foi sim um décimo segundo jogador, que energizou os jogadores, empurrando-os, jogando-os, atirando-os na direção da bola com uma vibração impressionante. Um bando de loucos que tem orgulho de expressar sua loucura.
Seria no mínimo estranho dizer algo assim numa roda de discussões futebolísticas, ou até mesmo numa conversa mais íntima. Ninguém se comunica, em público, dessa forma. Sendo assim, a escrita se apresenta como um ótimo meio de descrever algo da maneira que bem lhe convém.

01/08/2011

Inspiração

Muitas pessoas perguntam a segundos, terceiros, quartos, de onde vem a inspiração. Sendo eu uma dessas pessoas, não serei capaz de lhes responder essa pergunta. Mas hoje vivenciei tantas experiências, tão ecléticas e dissonantes entre si, que agora, às 22:48, posso dizer que vivo um particular momento de inspiração. Se bem me lembro, neste dia que começou às 5:55 da manhã, despertei ao som de Led Zeppelin, fui de carona até o cursinho, onde refleti sobre química, geografia, matemática, biologia e física. Mais tarde, assisti a um filme de suspense, seguido de uma caminhada até minha casa, onde recebo a notícia de que minha mãe realizou uma enorme pesquisa investigativa com o fim de descobrir o paradeiro de um namorado da minha avó, dos tempos de Auschwitz. Por fim, li dois textos maravilhosos sobre o jogo entre Santos e Flamengo e só então canalizei estas forças inspirativas neste post.
A inspiração, portanto, pode ser vista como uma espécie de sonho, no qual os ocorridos e refletidos de um dia são fundidos numa grande massa, cujo resultado final, muitas vezes, é incompreensível ou simplesmente estranho. Deus sabe o que aconteceu nas vidas de Neymar e Ronaldinho antes deste jogo para que seus sonhos, suas inspirações produzissem um resultado tão fantástico. Mas ao que quer que tenha acontecido, sou grato por isso.
Até agora não vi o jogo. Enquanto ocorria, segui os lances por escrito, enquanto via alguns vídeos com momentos marcantes, como o terceiro gol do Santos, de Neymar. Para nós, mortais, é inconcebível sequer pensar em executar uma finta como aquela em tamanha velocidade. Neymar parou o tempo por um segundo, rolou a bola do pé direito para o esquerdo que, com um leve toque, empurrou a bola para a frente, à esquerda do marcador, enquanto seu corpo continuava sua trajetória curvilínea, dando a volta pelo zagueiro e encontrando a bola nas costas do próprio. Uma meia lua impecável, inovadora. A única reação do flamenguista após o lance foi abrir os braços em sinal de "o que acabou de acontecer?". Coisa de sonho.
E da mesma maneira, como é possível que no mundo das coisas alguém tenha a frieza de - no segundo tempo, fora de casa, com a responsabilidade de ser o craque do time, perdendo por 4 a 3 - cobrar uma falta rasteira, enganando barreira e goleiro para empatar o jogo (e mais tarde virá-lo)?
Inspiração traz inspiração e tomara que este jogo, que foi um autêntico sonho, sirva de luz para os que restam neste campeonato e nos próximos, para que o futebol brasileiro possa reaver seu posto de rei do futebol.

04/07/2011

Abaixo a Seleção!

Hoje, durante o sonolento jogo da seleção, contra a Venezuela, me deparei com uma situação muito recorrente, mas que nunca tinha me feito pensar como hoje. Estava eu na sala e ao meu lado se encontrava a mais fervorosa das torcedoras que conheço, Ivone, mulher de meu pai. Já acompanhei inúmeros jogos ao seu lado, mas nunca a vi gritar tão alto e com tanta força quanto hoje. A cada passe errado, a cada oportunidade desperdiçada ouvia-se uma cachoeira de xingamentos e reclamações. Parecia que ela estava no estádio, oferecendo a alma pelo brilhantismo dos jogadores. A cena em si não configura nada muito surpreendente (aliás, o mais surpreendente era o fato de que a maioria das suas reclamações batiam com as dos comentaristas), mas para mim era algo impressionante. Nunca a vi gritar dessa maneira num jogo do São Paulo, seu "time do coração". Talvez o planeta corintiano, meu e de meu pai, tenha sugado o fraco satélite tricolor para sua órbita, eliminando a possibilidade da existência de um torcedor são paulino na galáxia do apartamento 42. Assim, sem a possibilidade de cantar pela equipe pela qual sempre torceu, a seleção apareceu como um grande porto seguro, ao qual poderia torcer a vontade, sem transtornar os homens da casa e sem negar suas origens são paulinas. Todos gostam da seleção.
Já na minha realidade, alguém que coloca a seleção à frente de um clube é tachado de infiel, torcedor fajuto e até vira-casaca. Depois de tantos anos observando um futebol pífio, o amor pelo esquadrão brasileiro murchou e agora, torcer para o Brasil tem tanto valor quanto torcer para um time europeu, ou seja, não há paixão real, há apenas um desejo de que o time ganhe, mas se não vencer, não há motivos para tristeza, não é o meu time que está jogando. Os jovens torcedores, aliás, não gostam da seleção, ela rouba jogadores. Afinal, o São Paulo ainda poderia ser líder com Lucas em campo; talvez o Santos não precisasse de tanto esforço para bater o América-MG com suas estrelas jogando. Por que tenho que ceder meus melhores jogadores a uma outra equipe? E que vantagem essa competição trará? Se Neymar brihar, não ficará ainda mais perto da Europa?
Sendo assim, presenciar a imagem de alguém dando mais de si pela seleção do que por um clube foi algo realmente chocante. Ver Ivone gritando a plenos pulmões: "CHUTA SEU BURRO!", "PASSA A BOLA DIREITO!" me trouxe um pouco da paixão que tenho pelo time brasileiro e pouco depois me vi gritando ao lado dela.

15/06/2011

pênalti

Especialistas no ramo da psicanálise concordam que uma pessoa precisa passar por certas experiências para poder crescer, amadurecer. Brigar com os pais, apanhar, levar um fora, ser traído, todas estas são ocasiões que, por serem inusitadas, exigem uma atitude diferenciada daquele que as recebe que, por sua vez, a medida que é atingido, cria diversas maneiras de lidar com tais experiências. Alguém que não enfrentou essas vivências até a vida adulta certamente terá dificuldades em encarar uma frustração da vida cotidiana. Uma bronca do chefe, ou até mesmo um arranhão no joelho será, para este indivíduo, uma situação de extrema tristeza e desilusão, levando-o, em casos extremos, ao suicídio.
Não sou psicanalista, mas afirmo, com muita segurança, que uma dessas experiências é a do pênalti. Ninguém sabe do que é capaz, ninguém sabe o que é ser pressionado até ter que cobrar ou defender um pênalti. Os dois lados são intensamente e indescritivelmente tensos e emocionantes.
O cobrador lida com uma pressão monumental. A pressão de pelo menos um milhão de loucos apaixonados, que fariam qualquer coisa pelo clube, inclusive esganar um pobre atacante que perdeu o pênalti decisivo. A pressão de estar na situação mais favorável possível: bola parada e ajeitada a onze metros da baliza, sem nenhum marcador entre ele e o gol, apenas um goleiro estático à sua frente, que irá se mover apenas no último instante. A pressão da liberdade, de poder chutar onde quiser e contar com o elemento surpresa. A pressão de ter a bola do campeonato, de se tornar um herói, uma lenda. Imagine pensar em tudo que este pênalti significa enquanto coloca a bola na marca de cal e toma distância para o arremate, à medida que levanta a cabeça e vislumbra os milhares de torcedores que o aplaudem e gritam o seu nome. O quão amedrontador é ser o protagonista? Nada se compara a essa pressão.
E do outro lado se encontra aquele destinado a acabar com o sonho deste atacante. O goleiro está na situação oposta à do cobrador. Para ele, não há pressão, não há responsabilidade, ninguém o culpará por não defender o lance mais indefensável do futebol. Mas todos o glorificarão caso defenda o pênalti. O arqueiro se encontra na circunstância mais agradável possível, embora esteja na situação mais complicada para alguém em sua posição. Por mais que à sua frente se encontre o artilheiro do time adversário, livre para chutar com a força que quiser e onde quiser; e por mais que seus movimentos estejam limitados a se mover para os lados, este goleiro sabe que o batedor carrega uma pressão mais pesada que o estádio do Maracanã.
A grande pergunta é, quem está em vantagem? O cobrador, por ter o gol aberto à sua frente, ou o goleiro, por ter a mente livre de olhares maliciosos?

07/06/2011

o antropofágico futebol ronaldal

Muitos, incluindo este que aqui escreve, ficam extremamente incomodados com o codinome de Ronaldo: fenômeno. Para estes muitos, o apelido foi criado pela Globo e, portanto, foi criado basicamente por questões publicitárias. Se havia um novo Ronaldinho (o gaúcho), Ronaldo precisava de um nome para ser diferenciado. E este "fenômeno", que é mesmo um fenômeno, agora é um segundo nome, para um jogador que de tão fenomenal, deveria ter seu nome nos dicionários como um adjetivo refinadíssimo, usado em ocasiões extremamente especiais, como num voto de casamento, ou num comentário sobre o prato da avó, ronaldal. Imaginem que incrível seria ser elogiado com uma palavra que remete a um personagem tão ilustre. Ronaldo não deveria precisar de um adjetivo (até por que nenhum adjunto adnominal é suficiente para qualificar sua carreira), seu próprio nome já é adjetivo suficiente para descrevê-lo.
Um de meus primeiros textos sobre futebol foi baseado neste grande jogador. Meu pai, um de meus confidentes futebolísticos, comentou que via em Ronaldo o primeiro ou segundo depois de Pelé. Certamente, esse é o tipo de comentário que merece, ao menos, um chopp e uma fomentada discussão. O período de tempo entre as épocas de glória de Pelé e Ronaldo, é extenso o suficiente para que pelo menos vinte jogadores platonicamente excepcionais tenham mostrado sua grandeza, antes da aparição do "fenômeno". Zico, Ademir da Guia, Falcão, Rivelino, Sócrates, Careca, Raí, Romário, Túlio Maravilha, Roberto Dinamite, Kruyff, Beckenbauer, Zidane, Platini, Baggio e Figo são alguns exempos. Mas nem mesmo Maradona poderia destronar Ronaldo de seu posto confortável na mente de meu pai. A resposta: nenhum destes se compara ao que o artilheiro das copas fez em pouco mais de quinze anos de carreira. O porquê: por mais incrível que tenha sido o futebol jogado por estes craques, nenhum se iguala ao praticado pelo fenômeno; só o jogo de Ronaldo era ronaldal. Um jogo plástico, rápido, eficiente, envolvente, lento, feio, catimbeiro, oportunista, forte, corpal, leve, angustiante, imprevisível, previsível. Ronaldo colocou em prática o antigo moderno canibalismo brasileiro e criou um futebol antropófago. Um futebol com a elegante potência dos holandeses; com a dura beleza dos italianos; com a calorosa habilidade dos espanhóis; com o catimbado gingado brasileiro.
Não tenho certeza se Ronaldo é o segundo ou sequer o terceiro melhor da história, mas que o antropofágico futebol ronaldal merece cadeira cativa, na seleção de lugares reservados para aqueles que transformaram este esporte em obra de arte, merece.
De qualquer maneira, obrigado Ronaldo, por oferecer ao mundo este espetáculo que é o seu futebol, que já fez crianças como eu caírem de joelhos ao presenciar tanto brilhantismo pela primeira vez na vida. Obrigado por ressucitar um time com a sua própria ressureição e por encantar uma torcida com tanta simplicidade.

27/05/2011

gol do pet

"O árbitro contou a distância da falta, os 9,15 m da barreira, e ninguém tentou cortar um pouquinho o pensamento do jogador. Se um tenta agredir a bola, aí o árbitro vai mandar voltar. Depois um outro agride, ele vai dar cartão, mas que se dane! Se agride o time todo, ele não ia mandar repetir. Mas isso é futebol." (Joel Santana, técnico do Vasco na decisão).
É impressionante como o mundo contribui para que só um golaço de falta na gaveta aos 43 do segundo tempo, possa fazer com que o Flamengo seja campeão. O jogo poderia se desenrolar de muitas formas, o Vasco poderia confirmar seu favoritismo e sua vantagem aproveitando as chances perdidas; o Flamengo poderia ter se resguardado melhor para não levar um gol e não precisar do terceiro. Mas o futebol pede, clama, implora pelo terceiro gol. E vindo de um jogador que não tinha recebido o salário do mês, que tinha rusgas com diversos jogadores e com parte da torcida. 
O futebol é feito de detalhes inexplicáveis, que em qualquer ocasião que não a do jogo, ocorreriam de forma completamente diferente. O chorado gol de Basílio no título paulista do Corinthians, em 77; o frango de Rogério na final da Libertadores em 2006; a bola que triscou a trave mas não entrou, no drible da vaca mais fantástico da história (feito pelos pés do Rei). O fato de o detalhe ser um fator tão decisivo é um dos marcos do futebol. Em outros esportes, o detalhe também existe, mas só no futebol, talvez pela escassez de pontos, em relação aos outros esportes (como no basquete,  ou no vôlei, ou no handebol, nos quais centenas de pontos são marcados por jogo, enquanto que uma partida de futebol é muito celebrada quando três ou quatro gols são marcados), o detalhe é tão significativo e tão recorrente. 
Este gol, de Petkovic, nunca mais ocorrerá novamente. Nem mesmo se um jogador, tão habilidoso quanto o sérvio, cobrasse uma falta à mesma distância do gol, com a mesma força, na mesma direção e ela caísse no mesmo lugar. Não seria a mesma coisa. Este gol é uma pintura, uma obra de arte: não importa o número de cópias, o original sempre será único. E o mesmo ocorre com qualquer golaço, com qualquer título, com qualquer tragédia. São todos momentos antológicos e inesquecíveis, resultantes de peculiaridades ínfimas por si só, mas gigantescas pelo que representam.  
A bola viajou, em câmera lenta. Uma imagem fantástica, divina. Cinqüenta mil mãos estendidas no ar, controlando o seu curso. Uma mão a menos e aquele toque do goleiro mudaria o seu destino.

25/05/2011

paixão x ponderação

No mundo há dois grandes grupos de pessoas, aqueles que se mantém de pé durante uma partida inteira, gritando, cantando e xingando e aqueles que, no calor do jogo, não movem sequer um músculo e, estáticos soltam um comentário, frio e preciso sobre o mau posicionamento do terceiro zagueiro ou sobre a falta de cobertura do lateral esquerdo.
Para os primeiros, românticos e apaixonados, não importa o que aconteça, o seu time sempre está sendo roubado. Se o atacante cai na área, é pênalti indiscutível e se o mesmo ocorre com um adversário, nada deverá ser marcado, foi simulação clara. Qualquer atitude do juiz que não corresponda a estas marcações é trapaça, bandidagem, máfia, realizada por um árbitro corrupto que se vendeu ao adversário, que, por sua vez, mostrou mais uma vez suas atitudes deploráveis ao subornar um juiz na cara dura. Para este torcedor, a vida é uma catástrofe e existem apenas dois refúgios para tanta mágoa, um bar e um estádio. No estádio, os xingamentos escandalosos, os cânticos monumentais, as tempestades que o encharcam dos pés à cabeça (para ele, estar debaixo da chuva é um sinal de devoção, de força) o consolam como uma cachaça o faria e todas as dores são afogadas por manifestações exageradas de paixão.
Para os outros, os céticos, o jogo deve ser analisado, não chorado. Este torcedor, por maior que seja sua paixão pelo clube, possui olhos críticos e julga o que acontece no gramado com classe e imparcialidade. Para ele, um juiz pode estar corretíssimo ao marcar um pênalti para o adversário, ou muito equivocado numa marcação favorável ao seu time. Não acha certo que o árbitro seja chamado de ladrão ou um atacante de mercenário, afinal, é um absurdo xingar uma pessoa de bem com nomes tão ofensivos, já que qualquer um está sujeito a falhas. Suas ponderações são sempre precisas e corretas. Torcer, para ele, significa apontar os erros e elogiar os acertos. Os adeptos deste grupo, aliás, não deveriam se chamar torcedores, mas sim, comentaristas.
Eu, particularmente, prefiro os erros apaixonados.
 

23/05/2011

o melhor campeonato do mundo

Neste fim de semana começou o melhor campeonato do mundo, o brasileiro. Alguns, tolos, afirmam que o brasileirão é fraco por não ter grandes craques, como na Europa. Outros dizem que a falta de grandes jogadores é o menor dos problemas, que a estrutura de diversos estádios e os erros de arbitragem fazem desta liga uma das piores do planeta. Não discordo destas afirmações, mas discordo do ponto em que são vistas como negativas.
As ligas inglesa, italiana, francesa, espanhola e alemã são caracterizadas por abrigarem jogadores de destaque mundial, por possuírem estádios de última geração, nos quais milhares de torcedores têm grande prazer em assistir seus clubes - ricos e poderosos e que pagam seus atletas em dia - praticarem um futebol quase isento de violência ou pênaltis roubados; enquanto desfrutam de um lanche saboroso e de um clima agradável nas cadeiras numeradas. Certamente, tais qualidades são fruto de uma federação esportiva bem organizada, que suporta a união entre as equipes de seu país, que por sua vez, possuem ótimos contratos de imagem e de patrocínio.
É inegável o fato de que um campeonato tão bem articulado e estruturado seja um deleite para os olhos de qualquer espectador. Mas, como sempre, a perfeição é chata.
A graça de uma liga européia está na habilidade de alguns jogadores; a graça da brasileira está em tudo. O torcedor pode escolher se revoltar contra a diretoria, técnico, jogador, cartola, agente, patrocinador, televisão, ou simplesmente, presidente(a) da república. É empolgante acessar um site ou ler uma matéria esportiva, porque a decadência é excitante. Por outro lado, em qualquer partida temos jogadores que se sobressaem, que quebram expectativas e que nos lembram dos grandes do passado. O campeonato brasileiro não tem dois ou três favoritos; tem dez, ou mais. A primeira rodada, neste último fim de semana, é emblemática. Em dez confrontos, tivemos quatro triunfos de visitantes, gritos de "burro" por parte dos tricolores cariocas, favoritos perdendo para times como Atlético-GO e Figueirense, redenção de equipes até ontem muito criticadas e o renascimento do potencial melhor jogador do país. Em dez confrontos, apenas um empate. Tensões divididas entre todos os jogadores e todos os torcedores de todos os times. Rivalidades acentuadas, emoções inflamadas, começa o melhor campeonato do mundo (e com vitória do Corinthians)!